Mudanças climáticas e eventos extremos impactam vacinação no Brasil
Karen Carvalho é enfermeira diplomada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, com especialização em saúde coletiva, estratégia de saúde da família e vigilância em saúde. Em maio deste ano, ela atuou junto a outros profissionais da área nas enchentes que assolaram seu estado. A tarefa de Karen em meio aos caos não era fácil: vacinar pessoas que tiveram contato com a água e que se aglomeravam em abrigos, sucetíveis a doenças como hepatite A, influenza e covid-19.
Outra dificuldade enfrentada pela enfermeira e por outros profissionais de saúde que atuaram nas enchentes do Rio Grande do Sul foi a hesitação vacinal. “As pessoas da região estavam tão fragilizadas com tudo o que estava acontecendo que convencê-las sobre a vacinação não foi fácil. Vacinar parecia ser o que menos importava pra elas naquele momento”, lembra.
“Em meio a tudo isso, ficamos sem locomoção. Os profissionais de saúde não conseguiam chegar aos locais onde havia demanda pra eles. Usamos o serviço do Exército pra levar vacina onde precisava, pra buscar vacina onde precisava. Só aquele caminhão passava, porque é muito alto e a água não tapava. Havia pessoas isoladas de um lado da cidade e nós ficamos presos do outro lado.”
Karen também precisou aplicar doses antirrábicas de forma preventiva em voluntários que resgatavam animais das águas e nos que cuidavam desses mesmos animais em abrigos, já que o risco de mordidas, arranhões e outros acidentes era constante. “Acabamos vacinando por pré-exposição quem participava de resgates e forças de segurança, como a Força Nacional do SUS, homens do corpo de bombeiros e do Exército”.
Plano de contingência
Micheline Silveira é dentista por formação, mas abraçou a enfermagem em 2016. “Me apaixonei pela profissão e não larguei mais”. Ela estava no centro de Porto Alegre quando as águas começaram a subir. Como a empresa de imunização para a qual trabalhava tinha um plano de contingência para situações extremas, Micheline pode contar com equipamentos adequados, como câmaras frias de emergência e unidades móveis para backup, além de colegas capacitados para atuar naquele momento.
“Sempre achamos que, se alguma coisa acontecesse, a gente daria conta dela muito bem. E conseguimos, de fato. Mas a gente nunca imaginou que passaríamos por algo tão surreal como o que aconteceu no nosso estado”, contou. “A gente tinha câmara fria, gerador. Mas quanto tempo tudo aquilo ia durar? Descemos com a caixa de isopor pra colocar as vacinas na unidade móvel. Levamos pra São Leopoldo, onde havia maior disponibilidade de armazenamento. E só conseguimos voltar pra Porto Alegre 43 dias depois.”
Microplanejamento
A enfermeira Cleia Soares Martins também pode sentir, este ano, os impactos das mudanças climáticas e de eventos extremos nos serviços de vacinação. Responsável técnica pela Central de Distribuição de Imunobilógicos do Amazonas, ela enfrenta um cenário de calor e estiagem sem precedentes, quando o que era esperado para o período era o chamado inverno amazônico e muita chuva. “A Amazônia vem passando pela pior seca das últimas décadas. Com os incêndios, tem dias que a gente acorda e não consegue ver o outro lado do rio”.
Segundo Cleia, quando se trabalha com imunização no Amazonas, além de dominar a técnica relacionada a vacinas, é preciso conhecer toda a hidrografia do estado no intuito de alcançar comunidades de difícil acesso, como quilombolas e ribeirinhos. “Nossas estradas são os rios, mas o que acontece quando eles secam?” Ela lembra que, até o fim de agosto, nove municípios da região tinham decretado situação de emergência. Na semana passada, o número já havia subido para 13.
“No ano passado, nossa situação já não foi fácil. A previsão era de estiagem ainda mais severa este ano. Por isso, começamos a nos planejar em dezembro. Por meio de microplanejamento, fizemos o possível para que, ainda no primeiro semestre, antecipássemos todas as ações de vacinação, priorizando áreas de difícil acesso”, disse, ao citar parcerias com os governos do Acre e de Rondônia.
“Mas o que a gente faz hoje ainda não é suficiente. A gente precisa de mais. Precisamos investir em tecnologia e inovação, pra ter um suporte melhor, seja na seca, seja na cheia”, avaliou. “Pra que, juntos, a gente possa superar esses desafios e garantir a plenitude do serviço de vacinação para todo e qualquer cidadão no local onde ele reside.”
*A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
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