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Porto Velho,02/05/2025

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Vinicius Valentin Raduan Miguel

1º de maio: A urgente revolução do trabalho para pessoas com deficiência

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1º de maio: A urgente revolução do trabalho para pessoas com deficiência O professor Vínicius Raduan Valentin Miguel

No momento em que celebramos o Dia do Trabalho, é crucial confrontarmos uma realidade sistemicamente silenciada em nossa sociedade: as profundas desigualdades que apartam pessoas com deficiência do direito fundamental ao trabalho digno. Os dados são estarrecedores e exigem não apenas reflexão, mas uma revolução em nossas práticas sociais e econômicas.


 O abismo da exclusão laboral no Brasil e América Latina


Em nosso país, o cenário é devastador: enquanto a taxa de desemprego geral está em torno de 7,5%, entre pessoas com deficiência esse número dispara para patamares alarmantes. Dados recentes do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que apenas 545.940 pessoas com deficiência estão formalmente empregadas no Brasil, o que representa apenas uma fração ínfima dos mais de 18,6 milhões de brasileiros com alguma deficiência.


As pessoas com deficiência apresentam uma taxa de participação no mercado de trabalho dramaticamente menor. Para a faixa etária entre 30 e 49 anos, essa taxa é de apenas 52,6% entre pessoas com deficiência, enquanto para pessoas sem deficiência atinge 84,5% – uma diferença de quase 32 pontos percentuais.


A desigualdade se manifesta não apenas na exclusão, mas também na precarização. Quando conseguem empregos, pessoas com deficiência enfrentam uma realidade de informalidade muito maior: apenas 34,3% das pessoas com deficiência ocupadas estão em postos formais, contra 50,9% daquelas sem deficiência. Em casos de deficiências múltiplas, esse número cai para apenas 27,3%.


Na América Latina, o cenário é igualmente alarmante. Segundo relatório do Banco Mundial, cerca de 85 milhões de pessoas na região têm alguma deficiência – aproximadamente 14,7% da população total – sendo que uma em cada duas pessoas com deficiência não participa do mercado de trabalho. A exclusão é ainda mais dramática quando interseccionada com outros marcadores sociais: gênero, raça e territorialidade.


 Pobreza e deficiência: um ciclo perverso


O que torna essa realidade ainda mais cruel é o ciclo retroalimentador entre pobreza e deficiência. Dados do Banco Mundial indicam que uma em cada cinco famílias em situação de extrema pobreza na América Latina tem pelo menos um membro com deficiência. Além disso, cerca de 70% das famílias com membros com deficiência são vulneráveis a cair na pobreza em situações de crise econômica.


No Brasil, esta conexão entre pobreza e deficiência também se evidencia, embora com algumas particularidades: estudos do Ministério da Cidadania mostram que, entre as pessoas cadastradas no CadÚnico, 18% das pessoas com deficiência são extremamente pobres, enquanto no restante do público cadastrado essa taxa chega a 54%. Essa diferença pode ser explicada pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo para pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade, funcionando como uma importante rede de proteção.


Entretanto, esse dado não deve servir para mascarar a realidade: pessoas com deficiência recebem, em média, cerca de dois terços dos rendimentos das pessoas sem deficiência, valor que pode ser ainda menor em setores específicos como o comércio, onde chegam a receber apenas 60% do valor pago aos trabalhadores sem deficiência.


 A farsa da inclusão e o capacitismo estrutural


A chamada Lei de Cotas (Lei 8.213/91), que completará 33 anos em julho, estabeleceu percentuais mínimos para contratação de pessoas com deficiência em empresas com mais de 100 funcionários. Três décadas depois, o resultado é decepcionante: 93% dos trabalhadores com deficiência formalmente empregados estão concentrados em empresas com mais de 100 empregados – justamente aquelas obrigadas por lei. Isso significa que, sem a obrigatoriedade legal, as empresas brasileiras praticamente não contratam pessoas com deficiência.


Este cenário revela um capacitismo estrutural profundamente enraizado no mundo corporativo – uma discriminação sistêmica que não se resolverá apenas com medidas paliativas. O paradigma de "normalidade" que rege nossos ambientes de trabalho exclui sistematicamente corpos e mentes que não se encaixam no modelo produtivo padronizado pelo capitalismo contemporâneo.


É preciso confrontar a perversidade de um sistema que insiste em transformar barreiras sociais em problemas individuais. A exclusão não decorre das características corporais ou cognitivas das pessoas com deficiência, mas de ambientes, tecnologias e culturas organizacionais projetados para um modelo humano específico e limitante.


 A falsa narrativa da produtividade 


Uma das justificativas frequentemente utilizadas para a exclusão é a suposta menor produtividade das pessoas com deficiência – narrativa que estudos têm sistematicamente desmentido. O relatório do Banco Mundial estima que a exclusão de pessoas com deficiência pode representar uma perda de 3% a 7% do PIB de um país. Paradoxalmente, a exclusão que se justifica por eficiência econômica acaba gerando imensos prejuízos econômicos, além dos incalculáveis custos sociais.


O problema não está na capacidade produtiva das pessoas com deficiência, mas na rigidez dos modelos de trabalho e no design inacessível dos ambientes laborais. Quando empresas implementam adaptações razoáveis, tecnologias assistivas e culturas verdadeiramente inclusivas, pessoas com deficiência demonstram capacidades e talentos que diversificam e enriquecem o ambiente de trabalho.


 Por uma revolução radical no mundo do trabalho


Neste Dia do Trabalho, é imperativo questionarmos: que tipo de sociedade é esta que exclui sistematicamente quase 15% de sua população do direito ao trabalho digno? Que capitalismo é este que se diz eficiente, mas desperdiça potencial humano em nome de padrões rígidos de produtividade? Que democracia é esta que tolera a segregação econômica de milhões de cidadãos?


A verdadeira inclusão exige uma revolução radical no mundo do trabalho. Isso significa:


1. Repensar o tempo: Horários flexíveis, pausas adaptadas e ritmos produtivos diversos não deveriam ser "concessões", mas opções disponíveis a todos os trabalhadores;


2. Redesenhar espaços: A acessibilidade universal deve ser premissa básica de qualquer ambiente laboral, não um "extra" implementado após cobranças;


3. Reimaginar a comunicação: Tecnologias assistivas e formatos acessíveis devem ser ubíquos, não exceções;


4. Redistribuir poder: Pessoas com deficiência devem ocupar posições de liderança e decisão, garantindo representatividade nos processos que afetam suas vidas.


Mais fundamentalmente, precisamos reconstruir a própria noção de trabalho, abandonando o paradigma capacitista que mede valor humano pela adequação a um modelo restrito de produtividade. Uma sociedade genuinamente justa valoriza a contribuição única de cada pessoa, reconhecendo que a diversidade corporal e cognitiva enriquece todos os espaços, inclusive os laborais.


No ano em que comemoramos 36 anos da Constituição Federal que, em seu artigo 6º, estabelece o trabalho como direito social fundamental, é inadmissível que continuemos excluindo milhões de brasileiros desse direito baseados em uma discriminação estrutural naturalizada.


A luta por um mercado de trabalho inclusivo não é responsabilidade exclusiva das pessoas com deficiência, mas um imperativo ético para toda sociedade. Afinal, a verdadeira medida do progresso social não está nas oportunidades oferecidas aos mais privilegiados, mas na eliminação das barreiras que impedem a plena participação dos historicamente marginalizados.


Neste 1º de maio, que possamos ir além das declarações vazias de inclusão e comprometer-nos com uma transformação radical do mundo do trabalho – um que celebre, acolha e potencialize todas as formas de ser e estar no mundo. Não como caridade ou responsabilidade social, mas como reconhecimento de que um trabalho que não serve a todos não serve, verdadeiramente, a ninguém.


 Referências


BANCO MUNDIAL. A Inclusão de Pessoas com Deficiências na América Latina e no Caribe: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável. Washington D.C., 2 dez. 2021. Disponível em: https://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2021/12/02/la-inclusion-de-las-personas-con-discapacidad-clave-para-el-desarrollo-sostenible-de-america-latina-y-el-caribe. Acesso em: 01 mai. 2025.


BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1991.


BRASIL. Ministério da Cidadania. Ministério da Cidadania lança obra que detalha situação das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília, 31 out. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/ministerio-da-cidadania-lanca-obra-que-detalha-situacao-das-pessoas-com-deficiencia-no-brasil. Acesso em: 01 mai. 2025.


BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Levantamento do eSocial aponta 545,9 mil trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho no Brasil. Brasília, 5 mar. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Marco/levantamento-do-esocial-aponta-545-9-mil-trabalhadores-com-deficiencia-no-mercado-de-trabalho-no-brasil. Acesso em: 01 mai. 2025.


BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, indica pesquisa divulgada pelo IBGE e MDHC. Brasília, 8 set. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/brasil-tem-18-6-milhoes-de-pessoas-com-deficiencia-indica-pesquisa-divulgada-pelo-ibge-e-mdhc. Acesso em: 01 mai. 2025.


CNN BRASIL. IBGE divulga estudo inédito sobre deficiência e desigualdades sociais no Brasil. São Paulo, 21 set. 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/ibge-divulga-estudo-inedito-sobre-deficiencia-e-desigualdades-sociais-no-brasil/. Acesso em: 01 mai. 2025.


IBGE. Desemprego e informalidade são maiores entre as pessoas com deficiência. Agência de Notícias, 24 out. 2022. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34977-desemprego-e-informalidade-sao-maiores-entre-as-pessoas-com-deficiencia. Acesso em: 01 mai. 2025.



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